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Horário de Funcionamento:

          2ª Feira das 16H15 às 17H00
          6ª Feira das 16H15 às 17H00

Local de Funcionamento:  Biblioteca

Professoras responsáveis: Célia Figueiredo e Marisol Valente

 

O projecto – Oficina de Leitura – surgiu no âmbito das orientações metodológicas implícitas nos novos programas de Língua Portuguesa do 3º Ciclo, e da necessidade de incluir nos alunos hábitos de leitura. Por outro lado, este projecto justifica-se também pelo facto de ser diagnosticado, em alguns discentes, muitas dificuldades ao nível da leitura em voz alta.

Objectivos:

  • Diagnosticar áreas de necessária intervenção por parte da Escola e suplementar dificuldades a nível da leitura;

  • Contribuir para a superação das dificuldades a nível da leitura expressiva;

  • Orientar os alunos nas metodologias a adoptar na leitura expressiva;

  • Despertar nos jovens o gosto pela leitura;

  • Promover o relato de vivências e experiências apreendidas através da leitura;

  • Manifestar preferência na selecção de leituras e expressar as suas opiniões e gostos sobre textos lidos.
     

Textos

Texto
 

     Mia Couto é um escritor moçambicano contemporâneo com um estilo literário marcado pela originalidade criativa. A sua escrita surpreende-nos pela forma de “falinventar” muito própria deste biólogo de profissão, como podemos constatar num texto que escreveu dedicado à Língua Portuguesa, do qual apresentamos, este mês, um excerto:

 

Perguntas à Língua Portuguesa

     Venho brincar aqui no Português, a língua. Não aquela que outros embandeiram. Mas a língua nossa, essa que dá gosto a gente namorar e que nos faz a nós, moçambicanos, ficarmos mais Moçambique. (…)

    Veja-se, num sumário exemplo, perguntas que se podem colocar à língua:

• Se pode dizer de um careca que tenha couro cabeludo?

• No caso de alguém dormir com homem de raça branca é então que se aplica a expressão: passar a noite em branco?

• A diferença entre um ás no volante ou um asno volante é apenas de ordem fonética?
• O mato desconhecido é que é o anonimato?
• O pequeno viaduto é um abreviaduto?
• Como é que o mecânico faz amor? Mecanicamente.
• Quem vive numa encruzilhada é um encruzilhéu?
• Se diz do brado de bicho que não dispõe de vértebras: o invertebrado?
• Tristeza do boi vem de ele não se lembrar que bicho foi na última reencarnação. Pois se ele, em anterior vida, beneficiou de chifre o que está ocorrendo não é uma reencornação?
• O elefante que nunca viu mar, sempre vivendo no rio: devia ter marfim ou riofim?
• Onde se esgotou a água se deve dizer: "aquabou"?
• Não tendo sucedido em Maio mas em Março o que ele teve foi um desmaio ou um desmarço?
• Quando a paisagem é de admirar constrói-se um admiradouro?
• Mulher desdentada pode usar fio dental?
• A cascavel a quem saiu a casca fica só uma vel?
• As reservas de dinheiro são sempre finas. Será daí que vem o nome: "finanças"?
• Um tufão pequeno: um tufinho?
• O cavalo duplamente linchado é aquele que relincha?
• Em águas doces alguém se pode salpicar?
• Adulto pratica adultério. E um menor: será que pratica minoritério?
• Um viciado no jogo de bilhar pode contrair bilharziose?
• Um gordo, tipo barril, é um barrilgudo?
• Borboleta que insiste em ser ninfa: é ela a tal ninfomaníaca?

     Brincadeiras, brincriações. E é coisa que não se termina. Lembro a camponesa da Zambézia. Eu falo português corta-mato, dizia. Sim, isso que ela fazia é, afinal, trabalho de todos nós. Colocámos essoutro português – o nosso português – na travessia dos matos, fizemos com que ele se descalçasse pelos atalhos da savana.
     Nesse caminho lhe fomos somando colorações. Devolvemos cores que dela haviam sido desbotadas – o racionalismo trabalha que nem lixívia. Urge ainda adicionar-lhe músicas e enfeites, somar-lhe o volume da superstição e a graça da dança. É urgente recuperar brilhos antigos. Devolver a estrela ao planeta dormente.

 

Mia Couto, excerto retirado do sítio “Ciberdúvidas da Língua Portuguesa”

 

Texto:"Sábios como camelos"

Há muitos anos viveu na Pérsia um grão-vizir - nome dado naquela época aos chefes dos governos -, que gostava muito de ler. Sempre que tinha de viajar ele levava consigo quatrocentos camelos, carregados de livros, e treinados para andar em ordem alfabética. O primeiro camelo chamava-se Aba, o segundo Baal, e assim por diante, até ao último, que atendia pelo nome de Zuzá. Era uma verdadeira biblioteca sobre patas. Quando lhe apetecia ler um livro o grão-vizir mandava parar a caravana e ia de camelo em camelo, não descansando antes de encontrar o título certo.

Um dia a caravana perdeu-se no deserto. Os quatrocentos camelos caminhavam em fila, uns atrás dos outros, como um carreirinho de formigas. À frente da cáfila, que é como se chama uma fila de camelos, seguiam o grão-vizir e os seus ministros. Subitamente o céu escureceu, e um vento áspero começou a soprar de leste, cada vez mais forte. As dunas moviam-se como se estivessem vivas. O vento, carregado de areia, magoava a pele. O grão-vizir mandou que os camelos se juntassem todos, formando um círculo. Era, porém, demasiado tarde. O uivo do vento abafava as ordens. A areia entrava pela roupa, enfiava-se pelos cabelos, e as pessoas tinham de tapar os olhos para não ficarem cegas. Aquilo durou a tarde inteira. Veio a noite e quando o Sol nasceu o grão-vizir olhou em redor e não foi capaz de descobrir um único dos quatrocentos camelos. Pensou, com horror, que talvez eles tivessem ficado enterrados na areia. Não conseguia imaginar como seria a vida, dali para a frente, sem um só livro para ler. Regressou muito triste ao seu palácio. Quem lhe contaria histórias?

Os camelos, porém, não tinham morrido. Presos uns aos outros por cordas, e conduzidos por um jovem pastor, haviam sido arrastados pela tempestade de areia ate uma região remota do deserto. Durante muito tempo caminharam sem rumo, aos círculos, tentando encontrar uma referência qualquer, um sinal, que os voltasse a colocar no caminho certo. Por toda a parte era só areia, areia, e o ar seco e quente. À noite as estrelas quase se podiam tocar com os dedos.

Ao fim de quinze dias, vendo que os camelos iam morrer de fome, o jovem pastor deu-lhes alguns livros a comer. Comeram primeiro os livros transportados por Aba, ou seja, todos os títulos começados pela letra A. No dia seguinte comeram os livros de Baal. Trezentos e noventa e oito dias depois, quando tinham terminado de comer os livros de Zuzá, viram avançar ao, seu encontro um grupo de homens. Eram as tropas do grão-vizir. Conduzido a presença do grão-vizir o jovem guardador de camelos, explicou-lhe, chorando, o que tinha acontecido. Mas este não se comoveu:
- Eras tu o responsável pelos livros - disse -, assim, por cada livro destruído passarás um dia na prisão.
O guardador de camelos fez contas de cabeça, rapidamente, e percebeu que seriam muitos dias. Cada camelo carregava quatrocentos livros - então quatrocentos camelos transportavam cento e sessenta mil! Cento e sessenta mil dias são quatrocentos e quarenta e quatro anos. Muito antes disso morreria de velhice na cadeia. Dois soldados amarraram-lhe os braços atrás das costas. Já se preparavam para o levar preso, quando Aba, o camelo, se adiantou uns passos e pediu licença para falar:
- Não façais isso, meu senhor - disse Aba dirigindo-se ao grão-vizir - esse homem salvou-nos a vida. O grão-vizir olhou para ele espantado:
- Meu Deus! O camelo fala!...
- Falo sim, meu senhor - confirmou Aba, divertido com o incrédulo silêncio dos homens -. Os livros deram-nos a nós, camelos, a ciência da fala.

Explicou que, tendo comido os livros, os camelos haviam adquirido não apenas a capacidade de falar, mas também o conhecimento que estava em cada livro. Lentamente enumerou de A a Z os títulos que ele, Aba, sabia de cor.  Cada camelo conhecia de memória quatrocentos títulos:
- Liberta esse homem - disse Aba -, e sempre que o desejares nós viremos até ao vosso palácio para contar histórias.
O grão-vizir concordou. Assim, a partir daquele dia, todas as tardes, um camelo subia até ao seu quarto para lhe contar uma história. Na Pérsia, naquela época, era habitual dizer-se de alguém que mostrasse grande inteligência:
- Aquele homem e sábio como um camelo.
Isto foi há muito tempo. Mas há quem diga que, quando estão sozinhos, os camelos ainda conversam entre si.
Pode ser.

José Eduardo Agualusa, Estranhões e Bizarrocos

Texto: "Livro Fechado"

    Era uma vez um livro. Um livro fechado. Tristemente fechado. Irremediavelmente fechado.
     Nunca ninguém o abrira nem sequer para ler as primeiras linhas da primeira página das muitas que o livro tinha para oferecer.
     Quem o comprara trouxera-o para casa e, provavelmente insensível ao que o livro valia, ao que o livro continha, enfiara-o numa prateleira, ao lado de muitos outros.
      Ali estava. Ali ficou.
Um dia, mais não podendo, queixou-se:
  — Ninguém me leu. Ninguém me liga.
Ao lado, um colega disse:
   — Desconfio que, nesta estante, haverá muitos outros como tu.
  — É o teu caso? — perguntou, ansiosamente, o livro que nunca tinha sido aberto.
  — Por sinal, não — esclareceu o colega, um respeitável calhamaço. — Estou todo sublinhado. Fui lido e relido. Sou um livro de estudo.
  — Quem me dera essa sorte — disse outro livro ao lado, a entrar na conversa. — Por mim só me passaram os olhos. Página sim, página não… Mas, enfim, já prestei para alguma coisa.
  — Eu também — falou, perto deles, um livrinho estreito. — Durante muito tempo, servi de calço a uma mesa que tinha um pé mais curto.
  — Isso não é trabalho para livro — estranhou o calhamaço.
  — À falta de outro… — conformou-se o livro estreitinho.
Escutando os seus companheiros de estante, o livro que nunca fora aberto sentiu uma secreta inveja. Ao menos, tinham para contar, ao passo que ele… Suspirou.
Não chegou ao fim do suspiro, porque duas mãos o foram buscar, ao aperto da prateleira. As mãos pegaram nele e poisaram-no sobre uns joelhos.
  — Tem bonecos esse livro? — perguntou a voz de uma menina, debruçada para o livro, ainda por abrir.
  — Se tem! Muitos bonecos, muitas histórias que eu vou ler-te — disse uma voz mais grave, a quem pertenciam as mãos que escolheram o livro da estante.
Começou a folheá-lo, e enquanto lhe alisava as primeiras páginas, foi dizendo:
  — Este livro tem uma história. Comprei-o no dia em que tu nasceste. Guardei-o para ti, até hoje. É um livro muito especial.
— Lê — pediu a voz da menina.
E o pai da menina leu. E o livro aberto deixou que o lessem, de ponta a ponta.
Às vezes vale a pena esperar.


  
 
Livro Fechado
, António Torrado   
 
Mensagem Nacional para o Dia Internacional do Livro Infantil
2 de Abril de 1997

 

    António Torrado nasceu em Lisboa em 1939. Licenciou-se em Filosofia pela Universidade de Coimbra. Dedicou-se à escrita desde muito novo, tendo começado a publicar aos 18 anos. A sua actividade profissional foi é diversa: escritor, pedagogo, jornalista, editor, produtor e argumentista para televisão. Tem trabalhado em parceria com Maria Alberta Menéres em diversos livros e programas de televisão. Actualmente, é Coordenador do Curso Anual de Expressão Poética e Narrativa no Centro de Arte Infantil da Fundação Calouste Gulbenkian. É o professor responsável pela disciplina de Escrita Dramatúrgica na Escola Superior de Teatro e Cinema. É dramaturgo residente na Companhia de Teatro Comuna em Lisboa. Sendo consensualmente considerado um dos autores mais importantes na literatura infantil portuguesa, possui uma obra bastante extensa e diversificada, que integra textos de raiz popular e tradicional, mas também poesia e sobretudo contos. Reconhece a importância fundamental da literatura infantil enquanto veículo de mensagens, elegendo como valores a promover a liberdade de expressão e o respeito pela diferença. António Torrado utiliza com frequência o humor em algumas das suas histórias. Por outro lado, em alguns textos de carácter alegórico ou de ambiente oriental, é o registo poético que predomina. De resto, os valores poéticos assumem para o autor uma posição central em qualquer projecto educativo. Recentemente, começou também a trabalhar novelas e romances para a infância e juventude, mas a vertente mais marcada da sua actividade nos últimos tempos é, sem dúvida, o teatro.

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Última actualização:07-05-2010

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