Projecto Educativo

IV – BREVE RESENHA HISTÓRICA DE S. JORGE

O descobrimento

As cartas geográficas do século XIV, representavam os Arquipélagos das Canárias e da Madeira numa posição muito aproximada da sua real localização geográfica, contudo o mesmo não acontecia com o dos Açores. Deste modo, e segundo alguns autores não é impróprio chamar de descoberta ao achamento das primeiras sete ilhas feito pelos portugueses na primeira metade do século XV. O que não se sabe com precisão é a data e o autor desse achamento.

A hipótese do descobrimento dos Açores por Diogo de Silves, em 1427, é baseada numa carta desenhada por Gabriel Valsequa, mas ainda hoje levanta muitas dúvidas. No entanto, é a data mais aceite.

No que diz respeito aos Açores, o documento mais antigo é uma carta de D. Afonso V de 2 de Julho de 1439, do seguinte teor:

«D. Affonso, etc. A quantos esta carta virem fazemos saber que o infante D. Henrique meu tio nos enviou dizer que elle mandara lançar ovelhas nas sete ilha dos Açores e que se nos aprouvesse que as mandaria povoar. E porque a nós dello praz lhe damos logar e licença que as mande povoar. E porém mandamos aos nossos vedores da fazenda, corregedores, juizes e justiças, e a outros quaesquer que esto houverem de ver que lhas deixam mandar povoar e lhe não ponham sobre ello embargo, e al não façades. Dada em a cidade de Lisboa 2 de julho. El-Rei o mandou com autoridade da Senhora rainha sua madre como sua tutor e curador que é, e com acordo do infante D. Pedro, seu tio defensor por elle dos ditos reinos e senhorios. Pais Rois a fez escrever e sobescreveu por sua mão. Anno do nascimento de nosso Senhor Jesus Christo de mil e IIIJ C XXXIX, (1439)».

 

(Chancellaria de D. Affonso V, L. 19 f. 14, na Torre do Tombo).

Pelo conteúdo desta carta se conclui que, na referida data, as ilhas do grupo Oriental e Central, já estariam descobertas. No entanto, este documento nada refere sobre anteriores viagens.

Da leitura desde documento, e de outros, é possível depreender que se devem ter realizado viagens aos Açores, comandados por Frei Gonçalo Velho Cabral no período compreendido entre 1427 e 1439.


O Povoamento, Administração e Defesa

Povoamento - Tendo como base a referida carta régia de 2 de Julho de 1439 e uma outra de 5 de Abril de 1443, do seguinte teor:

               «D. Affonso, etc. A quantos esta carta virem fazemos saber que nós querendo fazer graça e mercê a Gonçalo Velho, commendador das ilhas dos Açores, e a todos os povoadores que estavam e vivem nas ditas ilhas, da feitura desta nossa carta até cinco annos cumpridos pelo do Infante D. Henrique meu muito prezado e amado tio que nol-o  pedio Temos por bem e queremos que em o dito tempo não paguem dizima nem portagem nenhuma de quaesquer cousas que das ditas ilhas tragam a estes nossos reinos, com tanto que as não tragam d’alguma outra parte. E porem mandamos a quaesquer nossos officiaes a quem pertencer e esta carta for mostrada que lhe não consintam levar a dita dizima e portagem nem façam por ello outra alguma sem razão: e a nós praz da lha quitarmos em o dito tempo como dito é, e al não façaes. Dada em a cidade de Lisboa em 5 de abril. Por autoridade do senhor infante D. Pedro, tutor e curador do senhor rei, regedor com a ajuda de Deus, defensor por elle de seus reinos e senhorios. Diogo Lopes a fez anno do nascimento de nosso senhor Jesus Christo de mil IIIJ C RIIJ, (1443)».

(Chancellaria d D. Affonso V, L. 27 f. 107 verso, na Torre do Tombo).

  Verificamos que o Infante D. Henrique obteve licença para ocupar as ilhas até então descobertas (incluindo, obviamente, São Jorge) e que estas já se encontravam povoadas nesta última data. Nelas tinham sido lançadas ovelhas, provavelmente nas datas das viagens de Gonçalo V. Cabral.

O povoamento da ilha foi feito com portugueses de Portugal continental e da Madeira e estrangeiros, destacando-se os Flamengos cuja figura cimeira foi Guilherme Van der Haagen e que ficou conhecido como Guilherme da Silveira, tendo alguns  dos seus descendentes ocupado lugares de destaque a nível da administração da ilha, como foi o caso de um seu neto, com o mesmo nome que em 30 de Junho de 1571 se torna o primeiro Capitão-mor das Velas.

A ocupação da Ilha de S. Jorge terá começado por volta de meados de século XV, fenómeno que se acentua no final deste século, à semelhança do que acontecia noutras ilhas.

Os primeiros povoadores da ilha desembarcaram na baía das Velas, pois o seu porto natural permitia um bom ancoradouro para os veleiros. Depois de desbravados e arroteados os terrenos à volta do primeiro povoado, logo começaram a sua expansão em direcção a Rosais. Este eixo (Velas/Rosais) continuará bem unido económica e administrativamente durante os séculos seguintes.

O testamento do Infante D. Henrique (de 16 de Outubro de 1460) parece confirmar que no ano de 1460 existia um núcleo de povoadores que se havia fixado em São Jorge e já com alguma importância, povoadores esses que formaram um núcleo habitacional povoação à volta da igreja, mandada construir pelo Infante. É deste pequeno aglomerado populacional que nascerá a Vila de Velas, muito provavelmente nos últimos anos do século XV.

A penetração populacional para Norte é bastante posterior, só se intensificando no final do século XVI (com o desenvolvimento da pecuária) e, principalmente, durante o século XVII.

A população cresceu rapidamente, em especial no espaço correspondente à parte sul do actual concelho de Velas. Na segunda metade do século XVI viveriam em São Jorge cerca de 3000 pessoas, correspondendo a 10 hab/Km2, sensivelmente o mesmo que na Península Ibérica (no ano de 1796, a população da ilha era cerca de 14407 habitantes, em 1890 de 17065, correspondendo 8944 ao concelho de Velas e em 2001 viviam na ilha 9681 pessoas e neste concelho 5604). Embora já tenham sido mais de 18 mil, na primeira metade do século XX.

Administração - Por direito, o rei era legítimo dono das ilhas. No entanto, como forma de descentralizar os seus poderes, delegava num Donatário a jurisdição civil e criminal, bem como outros direitos, tendo como objectivo a promoção do povoamento, exploração económica e defesa das ilhas.

O primeiro donatário dos Açores foi o Infante D. Henrique. Este, por sua vez, delegou os poderes e direitos que detinha em capitães-donatários, os quais possuíam vastas regalias consubstanciadas em direitos de privilégio e de jurisdição. Em relação aos primeiros, os capitães - donatários detinham os seguintes:

·        Exclusivo dos moinhos de cereais, atafonas e fornos de pão.

·        Direito sobre o sal importado e vendido.

·        Direito de distribuir e dar as terras que estivessem por cultivar aos povoadores, de acordo com a lei das Sesmarias.

·        Direito ao dízimo de todas as rendas da ilha.

Quanto aos direitos de jurisdição:

·        Jurisdição civil e criminal, salvo a pena de morte e amputação de membros.

·        Nomeação de magistrados.

·        Nomeação de funcionários para a arrecadação dos dízimos e dos direitos reais.

A capitania de São Jorge, criada em 1483, teve como primeiro capitão-donatário João Vaz Corte-Real por carta do Duque D. Diogo de 4 de Maio de 1483.

Para além do Infante D. Henrique, foram donatários das ilhas o Infante D. Fernando, os Duques de Viseu, D. João, D. Diogo e D. Manuel, enquanto Duque de Beja. Com a subida deste último ao trono como D. Manuel I, as ilhas voltaram à posse da Coroa, e, embora se mantivessem as capitanias, os capitães passaram a ter  menos privilégios, ao mesmo tempo que era criado o cargo de Corregedor, o qual tinha em vista a fiscalização da actuação dos capitães-donatários, tendo competências jurídicas e administrativas, ao mesmo tempo que fazia cumprir as determinações reais. Por outro lado foram alargadas, nesta altura, as competências dos Municípios.

Muito provavelmente, os capitães-donatários desta ilha nunca cá estiveram. Assim, na sua ausência os seus direitos e interesses eram representados por um procurador, que tinha o título de “Ouvidor”. O primeiro ouvidor, de que há conhecimento, chamava-se João Dias e terá exercido o cargo antes de 1543 (era homem rico e é provável que fosse o proprietário da Fajã que tem hoje esse nome).

Durante o domínio filipino surge um novo modelo político-administrativo, onde um Governador Geral concentra os poderes e representa a soberania. No entanto, este novo cargo não implica o desaparecimento do Corregedor, do Capitão-donatário e do Ouvidor, cargos estes que se mantêm.

Com a restauração da Monarquia Portuguesa em 1640, o cargo de capitão-donatário é extinto e as capitanias passam definitivamente para a Coroa em 1655.

No caso de S. Jorge, o último capitão-donatário foi D. Manuel de Moura Corte Real, fiel seguidor de Filipe III (de Portugal) de quem foi mordomo-mor. Por esta razão, os seus bens em que se incluía a capitania de S. Jorge (para além das de Angra, Pico e Faial), são confiscados logo a seguir à Restauração.

Com o desaparecimento dos capitães-donatários, logicamente desaparece o cargo de Ouvidor, mantendo-se o de Corregedor até à reforma Pombalina.

Defesa - As populações, principalmente as que viviam junto à costa, olhavam uma possível invasão de corsários com preocupação e medo.

Esta situação acabou por obrigar à organização de milícias e à construção de fortificações que protegessem os locais de possíveis desembarques. Assim, as primeiras medidas tomadas de forma permanente estruturando a defesa da ilha surgem nas Velas em 1570 com eleição dos primeiros capitães, entre eles Guilherme da Silveira (neto do povoador) o qual, no ano seguinte, ocupa o cargo de capitão-mor, autoridade máxima dos milicianos em toda ilha.

As milícias eram compostas por todos os homens válidos, exceptuando os escravos, agrupados em companhias que deveriam contar com cerca de cem homens. Para além do capitão, existia um alferes, um ou dois sargentos, um meirinho, um escrivão e quatro cabos.

A partir da segunda década do século XVII, o capitão-mor das Velas, deixou de ser a autoridade

máxima das milícias em toda ilha, tendo sido eleitos capitães-mores nos outros dois concelhos. O aumento da população e as necessidades da sua defesa, levou ao aumento do número de milícias locais

ao longo do século XVII.

No que respeita as fortificações, a sua necessidade tornou-se evidente, a partir do segundo metade do século XVI, devido ao aumento das actividades de corso e pirataria. Para a sua construção e devido aos escassos recursos do município, foram lançados impostos destinados especificamente à construção e manutenção das fortificações, bem como à compra de peças de artilharia e munições. As populações receberam mal este aumento de impostos. Só no início do século XVII, elas serão definitivamente construídas.

Após parecer de um especialista enviado de Lisboa, o município começa as obras, por administração directa, em 1619.

Em 1630, altura em que a actividade defensiva foi tomada mais a sério pelas autoridades, foram levantadas as muralhas do Porto de Bairros e do Porto das Caravelas, bem como de dois fortes e três redutos defensivos. Depois serão construídos os fortes da Fajã de S. Amaro, Ribeira do Nabo, Urzelina, Manadas, Ponta da Queimada e uma casa de vigia na Fajã do Ouvidor.

As fortificações do concelho e da ilha, bem como a incorporação dos homens em companhias de ordenanças, tornou possíveis períodos de paz, mais ou menos longos, interrompidos por alguns acontecimentos, como foi o caso do início e do fim da ocupação filipina.

As milícias começaram (a partir do inicio do século XVII) a estar melhor preparadas quer em termos de equipamento quer em termos humanos. Neste último caso, o treino passou a ser mais cuidadoso e exigente. Passaram a haver os “ Alardos Gerais” realizados geralmente a 23 de Abril (dia de S. Jorge) e 29 de Setembro (dia de S. Miguel). Estes exercícios militares disciplinavam as milícias preparando-as para qualquer eventualidade.

 

Alguns dados sobre o desenvolvimento dos principais núcleos populacionais do concelho das Velas ao longo do tempo.

Velas

Velas constituía, já na segunda metade do século XVI, a principal povoação da ilha. A administração municipal era desempenhada com eficiência.

Unido à Vila, o porto mantinha movimento regular, sendo escalado por navios de longo curso e cabotagem.

As manufacturas prosperavam: panos de lã e linho, vestuário, sapatos, cordoaria e biscoitos.

A criação de gado expandia-se.

A criação da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia na primeira metade do século XVI foi um sinónimo de vitalidade da Vila. Os bens desta instituição foram aumentados através de legados testamentários, sendo o mais importante o de D. Beatriz de Melo em 1682, o qual instituiu o Hospital de Velas.

Em 1570, a Vila tinha cerca de 1000 habitantes e no século XVII cerca de 2000 (em 1890 a população era de 2015 pessoas e em 2001, era de 1924 residentes), situação que a colocava entre as primeiras vilas dos Açores.

O porto das Velas foi fortificado no século XVI, tendo-se tornado quase inexpugnável a partir de 1620. Depois dessa data acolhiam-se aí as caravelas para se abastecerem de água, carne e biscoitos e quando eram perseguidas por piratas. Neste porto eram embarcados os excedentes locais, como: gado vivo ou abatido e salgado em pipas, queijo, alguns panos, couro e vinho (nos anos de maior produção). Este tipo de exploração da terra fazia prosperar, ainda mais, este centro urbano.

As principais ruas da Vila (Rua Nova, Rua do Outeiro, Rua do Cais, Rua do Poço, Rua da Praça e a Rua do Espírito Santo) foram calcetadas até final do século XVII.

À vila das Velas pertencem os lugares da Beira (englobando o Ribeirinho e parte da Serroa), São Pedro e a Fajã de Vasco Martins.

Ao longo do tempo a Vila foi adquirindo e desenvolvendo um conjunto de serviços, colocando-a, actualmente, entre as principais vilas (tal como já o tinha sido no passado) do arquipélago. Esta situação, provocou o seu alargamento em termos espaciais e populacionais.

Rosais

Como já foi referido, as ligações entre Velas e Rosais, durante todo o século XVI, foram muito intensas o que fez com que praticamente todos os anos dois ou três lavradores de Rosais participassem no Governo do concelho e os seus notáveis eram convocados para os actos mais importantes, desde os políticos aos religiosos, situação que se irá manter ao longo dos séculos seguintes. Esta freguesia, pelo facto de viver na órbita das Velas, beneficiava da gestão municipal, que a não esquecia quer ao nível das obras públicas quer na justiça.

Esta freguesia destacou-se, desde muito cedo, pela cultura dos cereais, em especial o trigo, tendo sido, por isso, conhecida por “celeiro da ilha”. Situação que, hoje, não acontece, por se ter dedicado, quase exclusivamente, à pecuária, a qual ocupa grande parte da população, ocupando-se a outra parte no comércio e outros serviços, fora da área territorial da freguesia.

Por volta de 1700, Rosais tinha cerca de 880 habitantes. Em 1890 tinha 1605 e em 2001 a sua população era de 815 pessoas.

Esta freguesia possui várias fajãs, tanto ao norte como ao sul, destacando-se, pela a sua extensão a de João Dias.

Urzelina – Manadas

Este eixo de desenvolvimento populacional foi também muito importante, no entanto, a comunicação com a sede do concelho era difícil por via terrestre, sendo, por isso, feita preferencialmente por via marítima.

A freguesia das Manadas é das mais antigas da ilha, tendo sida criada, provavelmente antes de meados do século XVI, pertencendo a ela os lugares da Urzelina, Terreiros e Fajã das Almas. Em termos demográficos, a sua população era de cerca de 250 habitantes, por volta de 1550. No inicio do século XVIII a sua população tinha aumentado para de cerca de 500 pessoas. Em 1890 o número